Ainda vamos a tempo de mudar — porque são precisamente os detalhes que separam o amador do verdadeiro profissional.
Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente preocupação com a qualificação dos profissionais de hotelaria e restauração. Contudo, a realidade que vivemos no terreno mostra algo preocupante: muitos dos que chegam ao mercado de trabalho, mesmo oriundos de escolas profissionais, não estão preparados para o que os espera. Há uma falha grave — e contínua — na forma como se está a ensinar a profissão. É tempo de parar e reflectir: que tipo de formação estamos a dar? Que profissionais queremos formar?
A imagem de capa que acompanha este artigo é reveladora. Um simples individual de mesa com indicações de onde colocar os pratos, os copos, os talheres. Pode parecer útil, e até é, para iniciantes. Mas é também um símbolo de como estamos a simplificar em excesso, a ponto de precisarmos de esquemas desenhados para executar tarefas básicas. Isto não é progresso. É um sinal de alarme.
A formação em hotelaria e restauração deve ser, acima de tudo, prática. Defendo que, no mínimo, 80% do ensino nesta área seja feito com base na prática real – com contexto, com pressão, com ritmo de serviço. Não é suficiente passar horas em sala de aula a falar de etiqueta, se depois não se sabe segurar uma bandeja correctamente ou servir um copo de vinho sem o tocar no gargalo.
A técnica aprende-se com o corpo, com repetição, com observação directa de quem já sabe. E aprende-se também com os erros, com a humildade de os reconhecer e com o acompanhamento certo. Infelizmente, continuamos a formar demasiados profissionais "de papel", com boas notas em teoria e mãos completamente despreparadas para o serviço. Aprender a fazer, não apenas saber o que fazer.
Quantas vezes vemos empregados de mesa que não sabem usar um saca-rolhas correctamente? Que deixam cair a cápsula dentro da garrafa por não a saberem cortar? Que transportam três pratos empilhados com os dedos nos rebordos? Ou que fazem equilibristas com copos e loiças nas mãos, por não usarem bandejas?
Saber usar:
• Saca-rolhas de dois tempos,
• Abre-cápsulas,
• Bandeja,
• Panos de serviço (sim, também estes!),
• Pinças de serviço,
• **Caneta e bloco para pedidos à antiga, ou sistema POS com agilidade),
… é essencial, e não um “extra”. Estas ferramentas não são acessórios decorativos – são extensões da técnica e do profissionalismo de quem trabalha na área. A Ferramenta É Parte do Profissional
Há pequenos gestos que denunciam logo o nível de preparação de um profissional:
• Colocar copos à mesa segurando-os pelo bojo, e não pela haste;
• Servir o prato por cima do ombro do cliente, em vez de pela direita;
• Levar talheres amontoados, a tilintar, como se fossem colheres de sopa numa gaveta;
• Não saber diferenciar os vários tipos de copo (água, vinho branco, vinho tinto, espumante);
• Retirar pratos antes de todos os comensais terminarem.
São detalhes, sim. Mas são estes detalhes que marcam a diferença entre uma experiência de qualidade e uma refeição inesquecível.
Uma das maiores falhas que observo no dia-a-dia não é apenas a falta de formação técnica, mas a falta de vontade de aprender. É cada vez mais comum encontrar jovens profissionais que não ouvem, não observam e não querem ser corrigidos. E isto, lamento dizer, vem também de uma cultura de ensino demasiado permissiva.
A aprendizagem prática exige acompanhamento rigoroso, exigência, disciplina. Requer que os formadores sejam ouvidos e respeitados — e, para isso, também é necessário que esses formadores tenham experiência real e estejam actualizados.
Não podemos continuar a ensinar com base em manuais desatualizados ou com profissionais que já não exercem ou até com quem nunca exerceu. O conhecimento técnico e prático tem de vir da experiência direta e da formação contínua. Respeitar a profissão é respeitar quem a ensina.
Estamos a caminhar perigosamente para um modelo onde se aceita o “mais ou menos” como suficiente. Em que se considera normal que um empregado de mesa não saiba decantar um vinho, ou que um barman não conheça as bases clássicas. Isto é inaceitável num sector que vive da excelência no detalhe.
A médio prazo, corremos o risco de ter profissionais que só sabem trabalhar com instruções básicas — como na imagem de capa — sem pensamento crítico, sem flexibilidade, sem paixão. E aí, a profissão perde toda a sua alma. Estamos a caminhar perigosamente de normalizar a mediocridade.
A Formação Contínua Não É Uma Opção – É Uma Necessidade
Mesmo quem já está no ativo há vários anos deve ter formação contínua. O setor muda. As tendências evoluem. O cliente é cada vez mais exigente. E ninguém nasce ensinado.
Devem ser promovidas formações internas em:
• Etiqueta de sala;
• Técnicas de bar e cafetaria;
• Técnicas de vinhos e harmonizações;
• Gestão de quebras e desperdícios;
• Atendimento a pessoas com necessidades especiais;
• Comunicação com o cliente e gestão de reclamações.
Formar bem não é caro. Caro é formar mal, ter rotatividade elevada, receber críticas negativas e perder clientes.
Porque no final, o cliente pode até não notar onde estava o garfo. Mas vai perceber se foi bem recebido, bem servido, com técnica, com atenção ao detalhe e com respeito pela arte de bem servir. E isso… só se aprende com formação séria, contínua, e, acima de tudo, prática. Ainda vamos a tempo…
Maria Delfina Gama
ADHP:627 DGT (Turismo de Portugal):898-DH
Email: gamadelfina@gmail.com
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(texto da autoria de Maria Delfina Gama)
Mais uma vez, muitos parabéns.
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