terça-feira, 10 de outubro de 2023

Plantas e comeres do Piauí, Ceará e Santa Catarina - PARTE I


Em se plantando, tudo dá”, frase retirada da admirável crónica do achamento das terras de Vera Cruz de Pero Vaz de Caminha, que é também o título de um interessante livro do jornalista Mylton Severiano e da educadora Katia Reinisch, integrado na coleção Brasil – Almanaque de Cultura Popular


Nesse trabalho, que se lê com sofreguidão, os autores expõem com muita graça, com humor mesmo, 20 plantas que identificam o Brasil:

Ipê-amarelo, pau-brasil, cana-de-açúcar, mandioca, açaí, cacau, café, banana, seringueira, milho, araucária, castanheiro-do-Pará, amoreira, cupuaçu, maracujá, uva, batata, feijão, goiaba e orquídea.

É pena tal obra não se encontrar ainda à venda em Portugal.

Não cabe aqui desenvolver o conteúdo do livro que comprei por 10 reais na cidade de Parnaíba (Piauí). Fica apenas o registo introdutório para suscitar a apetência dos leitores.

A viagem efetuada ao Brasil, com digressões nos estados de Piauí, Ceará e Santa Catarina, realizou-se na segunda quinzena de janeiro, correspondendo ao tempo quente no hemisfério sul. Apoiado por dedicados amigos e excelentes cicerones, logrei alargar conhecimentos em diversas áreas. Pretendo agora partilhá-los com os leitores, pedindo desde já desculpa por erros e inexatidões, visto que nos campos da botânica, da fitoterapia, e vá lá, no da gastronomia, não passo de um curioso amador.

Posto isto, irei, de seguida, enunciar frutas, plantas comestíveis (ou bebíveis), árvores e ervas medicinais que experimentei, ou foram-me dadas a conhecer, durante os 16 dias em que permaneci no Brasil.

Mamão (Papayo carica papaya)

Foi uma das melhores frutas que saboreei. Doce, macia e digestiva. É rica em licopeno, possuindo muitas vitaminas e sais minerais com destaque para o potássio.

Carambolas (Averrhoa carambola)

O meu amigo esperantista João Batista tinha uma árvore em plena produção no seu quintal. Já as tínhamos provado na China mas mais ácidas do que estas que comemos em Teresina. Ana, esposa do João, confecionou com elas uma magnífica compota.

Bananas (Musa sapientium)

Presentes em todos os repastos, as bananas de várias espécies são proeminentes. Podemos dizer, sem segundas intenções, que o Brasil é que é a verdadeira república das bananas. Durante um passeio pedestre em Rio dos Cedros (Santa Catarina), no meio de densa floresta, António, primo do João, encontrou uma bananeira espontânea e vai daí, pegou num foição de cabo comprido e cortou um cacho com mais de 15 kg. Algumas bananas já estavam maduras e deliciamo-nos no próprio local. Que gostosas eram as tais bananas-ouro, fazendo jus ao seu aliciante nome.

Gengibre (Zingiber officinalis

É planta de comprovadas virtudes medicinais. Logo à chegada, Ana preparou-nos uma infusão de gengibre com limão, cujo agradável sabor não me sai da memória. No final da estadia em Teresina ofereceu dois rizomas já com rebentinhos que me atrevi a plantar quando cheguei a Portugal. Provavelmente nada conseguirei porque o gengibre é reconhecidamente uma espécie dos climas tropicais.

Noni (Morinda citrifolia)

No quintal dos nossos amigos havia também duas robustas árvores a produzir nonis, esses frutos que, segundo pesquisas laboratoriais, parecem ser a panaceia para inúmeros males. Comi uma papa, para experimentar, feita a partir da sua polpa. O cheiro e o sabor eram nauseabundos, mas se são bons para a saúde …

Acerola (Malpighia emarginata)

É outra fruta afamada com propriedades tonificantes e estimulantes. Dizem que é o expoente máximo da vitamina C.

Pitangueira (Eugenia uniflora)

Esta, eu já conhecia quando estive na Madeira. A árvore é pequena e os frutos (pitangas) são drupas carnosas de cor vermelha.

Coqueiros-babaçu (Orbignya phalerata)

Palmáceas que existem em grande profusão, quer no Piauí, quer no Ceará. Em Santa Catarina não as encontrámos. Vi-as pela primeira vez no jardim fronteiro à catedral de Teresina, depois no vasto zoo botânico da mesma cidade e durante a digressão que nos levou à segunda mais importante cidade do Piauí, Parnaíba. Os cocos, bastante mais pequenos do que os do coqueiro, são comestíveis. Deles se extrai um óleo usado na culinária, cujo preço é muito baixo se o compararmos com outros. Segundo Ana nos informou, um litro de óleo de babaçu custa somente 7 reais, enquanto um litro de óleo de coco atinge os 80 reais. À despedida, a nossa amiga ofereceu uma embalagem com uma espécie de farinha que resulta da trituração do entrecasco. A respetiva caixinha tem a seguinte informação: O mesocarpo do babaçu, extraído da parte intermediária do babaçu, é um complemento alimentar rico em amido, sais minerais e fibras. Pode-se adicionar às bebidas e ser usado no preparo de pães, bolos e tortas.

Palmeiras Carnaúba (Copernicia prunifera)

Polivalentes palmeiras que exundam uma cera dura com múltiplas aplicações. Antigamente fabricavam-se com ela os discos musicais LP. A palha dá para fazer vassouras e revestimentos dos edifícios (telhados) e a madeira é excelente para o travejamento das habitações.

Cafézeiro (Coffea arabica) – Café de jacu

Como se sabe, o Brasil é o principal produtor de café, com um terço da produção mundial. O cafézeiro que vimos espontâneo, quando caminhámos em densa floresta no estado de Santa Catarina, era um arbusto lindo. Folhas de verde lustroso, pequenas flores branquinhas e frutos vermelhos como cerejas, são de uma estética perfeita. Gostei do sabor do café brasileiro que, não sendo demasiado forte, é, em minha modesta opinião, mais agradável do que as “bicas” que tomamos em Portugal.

Quanto ao jacu, “segurem-se para não caírem”, como diria um velho amigo. Pois o jacu é um passarinho finório que escolhe e papa os melhores frutos do cafézeiro. Defeca depois os grãos (sementes) intactos ao pé dos arbustos. Tais grãos são colhidos manualmente, secos, limpos e guardados. Após um período de descanso, são enfim torrados para consumo. Este café é bastante mais caro por causa da mão-de-obra humana, pois a dos jacus é, obviamente, gratuita.

Cajueiro (Anacardium occidentale)

A bebida que mais gostei nesta digressão foi a cajuína, ela é também o ex-libris do Piauí. É feita com o suco da fruta do cajueiro, tem cor dourada, é doce quanto baste e não é gaseificada. Se fosse exportada para a Europa teria grande saída, mas infelizmente a quantidade produzida nem sequer chega para abastecer o Brasil. Em Santa Catarina já não a encontrei.

Os portugueses levaram o caju do Brasil para a Índia e agora este país é o maior produtor mundial. Em Goa, onde estive há anos, destila-se o suco formando uma bebida alcoólica muito apreciada chamada feni. Os brasileiros desconhecem o feni, mas idolatram a cachaça e os indianos não sabem da cajuína. Em contrapartida, os nossos antepassados introduziram o café oriundo da Índia nas terras de Vera Cruz e o Brasil tornou-se o maior produtor do mundo.

Mas voltemos ao cajueiro. Havia uma árvore no quintal dos nossos amigos. O quintal era pequeno mas tinha várias árvores valiosas confirmando a asserção “em se plantando tudo dá”. Só a castanha do caju, riquíssima oleaginosa, é vendida na Europa, A minha esposa costuma comprá-la a um preço elevado nas lojas indianas sitas no Largo do Martim Moniz (Lisboa). Utilizámo-la como proteína nos menus vegetarianos. No Piauí ela é, naturalmente, baratíssima.



Obras consultadas:

As plantas medicinais e a enfermagem – a arte de assistir, de curar, de cuidar e de transformar os saberes” de Lis Medeiros e Ivone Cabral, Editora Gráfica da UPFI – Teresina- 2002;

Plantas terapêuticas” de Sérgio Filho, Organização Andrei Editora, São Paulo, 2004;

Em se plantando, tudo dá” de Mylton Severiano e Katia Reinisch, Editora Leitura, Belo Horizonte, 2009;

O tratamento através das plantas medicinais” de Chantal de Rudder, Editora Rideel, São Paulo, s/d;

50 Plantas que mudaram o rumo da História” de Bill Laws, GMT Editores, Rio de Janeiro, 2013.

 

(texto da autoria de Miguel BoieiroVice-presidente da Direção da SPN)


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