sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Doçaria Popular ou Conventual?!

E a origem dos Doces do Mosteiro de São Dinis e São Bernardo de Odivelas!



Todos nós sabemos que existe uma grande variedade de doçaria em Portugal, mas primeiro temos de nos fixar num determinado tempo e espaço, para depois avaliarmos que tipo de produtos possivelmente existiram numa certa época, a fim de se conseguirem confecionar certos doces com este ou aquele ingrediente.

E atenção que, até meados do século XVI, o açúcar fora quase sempre visto como sendo algo muito caro, logo, muitas vezes era somente utilizado como sendo um valente fármaco, acabando por só chegar em grande quantidade a Portugal graças à exploração de cana do Brasil. Portanto, só a partir de 1532 é que se começa realmente a diferenciar a doçaria popular da conventual, já que o produto dominante, até então, teria sido o mel.

Em primeiro lugar, a doçaria poderá ter nascido pelo enriquecimento de massa de pão, em que a junção dos ovos e possivelmente do mel, e mais tarde do açúcar, criaria uma rica doçaria a que chamamos de popular. E, assim, cada região fora desenvolvendo o seu próprio receituário, sendo tradicionalmente pouco doce.

Por outras palavras, a doçaria popular era propícia a um ambiente mais caseiro, mesmo sendo produzida para festas e romarias; enquanto a doçaria conventual era a mais nova e rica doçaria que, entretanto, começaria também a surgir a partir dos conventos e mosteiros com o aparecimento do açúcar.

Por outro lado, enquanto a doçaria popular empregava uma maior quantidade de farinha, poucos ovos, ainda que contendo frutos secos locais, bem como alguma canela ou erva-doce, ou até azeite para uma melhor conservação, a doçaria conventual começou a utilizar mais ovos, bem como muito açúcar, muita amêndoa e frutas cristalizadas, cuja farinha era quase inexistente, servindo, muitas vezes, como ponto de partida, como um ponto de açúcar, tanto para fazer cremes, como para fazer bolos, elevando tudo a um nível superior.

Em resumo, digamos que a doçaria conventual foi como que o «renascer da nova doçaria popular», por sua vez aperfeiçoada, confecionada e divulgada a partir dos conventos. Isto porque, os conventos também eram casas de recolhimento de meninas e senhoras abastadas, que não tendo encontrado casamento à altura da sua posição social, encontrariam ali um novo lar que, fazendo-se também acompanhar de criadas, são estas que vão precisamente desenvolver esta «nova doçaria», pois teriam todo o tempo do mundo para a aperfeiçoar.

E porque é que encontramos várias receitas para a mesma denominação?! Pelo que se sabe, sempre que abria um convento novo, habitualmente iria um pequeno grupo de um convento já existente, para iniciar a respetiva abertura, levando consigo o seu próprio receituário, cujo registo de “passagem” era muitas vezes feito apenas por transmissão oral.

Definir então o que é a doçaria conventual como hoje a conhecemos, devemos pensar em considerar três categorias fundamentais: a doçaria de colher, a de pequenos doces e a de bolos grandes. Na primeira vamos incluir os Ovos-moles do Convento de Nossa Senhora do Carmo de Aveiro, várias Trouxas-de-ovos do mesmo convento e também do Convento da Esperança de Vila Viçosa, ou do Convento da Conceição de Beja, Barrigas de freira de vários conventos, Charcadas de Ovos, Sopas Doces ou Douradas, Encharcadas, Fatias de Tomar, Formigos, e Manjares de Ovos. Quanto a pequenos doces a variedade é ainda maior desde as Arrufadas, passando pelos Beijos de Freira, Bolinhos de Amor, Broas, Cavacas, Celestes, Clarinhas, Cristas, Empadas Doces, Fofos, Lérias, Papos de Anjo, Queijinhos do Céu, Suspiros, Tibornas e muitos outros. Nos bolos grandes temos os variados Toucinhos-do-céu, os Bolos Reais e o famoso Bolo do Convento das Clarissas de Évora.” 

(fonte: https://www.virgiliogomes.com/index.php/cronicas/463-doces-conventuais)

O REI DOM DINIS, O LAVRADOR E O TROVADOR!

Diz-se que, o Rei Dom Dinis, o Lavrador, mas também o Trovador, que em 1282 desposou Isabel de Aragão, costumava sair à noite para se deslocar rumo ao Mosteiro de S. Dinis situado em Odivelas, cuja rainha o interpelava pelo caminho, dizendo-lhe "ide vê-las senhor", que, por evolução, terá dado o nome precisamente ao local de Odivelas. 

Na verdade, a primeira pedra do mosteiro, por sua vez congratulado pela Ordem de Cister, foi lançada pelo próprio rei D. Dinis em 27 de fevereiro de 1295, como forma de pagamento de uma promessa feita a São Luís, quando, numa caçada no Alentejo, teria sido surpreendido por um urso que, perante a aparição do santo, o rei recuperaria forças, vencendo o feroz animal.

Entretanto, a escolha do local perfeito para D. Dinis cumprir a sua promessa recaiu sobre uma propriedade do próprio Rei nos arredores de Lisboa, na intitulada “Quinta das Flores”, pois gozava de ótimos recursos naturais, ao pretender também assegurar a subsistência das monjas ao mesmo tempo que garantia o recato das mesmas.

E é precisamente aí que, em 1325, D. Dinis fora, enfim, sepultado, conforme sua vontade. Sublinhe-se que, em 2017, fora iniciada uma importante intervenção de conservação e restauro do túmulo de Dom Dinis, para depois, em outubro de 2022, ser possível retirar-se, daí, a sua espada, a fim de ser restaurada, mas também estudada.

Porém, outros nomes bem conhecidos de todos nós entraram para a própria história deste mesmo Mosteiro, ou não fosse, no século XVIII, a famosíssima Religiosa Madre Paula, nome religioso de Paula Teresa da Silva e Almeida, tornar-se na amante mais célebre do rei D. João V, de quem teve vários filhos, entre os quais D. José de Bragança, um dos "Meninos de Palhavã". 

Mas, já em 1415, D. Filipa de Lencastre, no leito da sua morte, abençoara os três filhos mais velhos (D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique) que partiriam dali, a cavalo, em direção ao Restelo, onde embarcariam para Ceuta. 

No que diz respeito a outras figuras de relevo cultural, temos que, no mesmo Mosteiro, é representado, pela primeira vez, em 1534, o «Auto da Cananeia», de Gil Vicente, encomendado pela abadessa Violante, irmã de Pedro Álvares Cabral.

E se até Padre António Vieira fazia um dos seus sermões no Mosteiro de Odivelas, a 22 de junho de 1668, Almeida Garrett ocuparia o preâmbulo da «Lírica de João Mínimo» com uma descrição de um passeio ao Convento, entrecortada por várias dissertações sobre poesia. 

DOCES DO CONVENTO DE ODIVELAS 

Consta, nos livros, que, desde 1296, se instalaram, no Mosteiro de São Dinis e São Bernardo de Odivelas, 80 religiosas, mas que depressa chegaram a 400.

E, tal como já referi anteriormente, muitas destas jovens, conforme as épocas, entravam acompanhas, ora por escravas, ora por criadas.

Porém, algumas delas detinham moradias, construídas pelas famílias mais abastadas, passando, aí, os seus dias, para depois regressarem ao dormitório por volta das 10h da noite, tal como estaria pré-definido, ainda que nem sempre obedecessem. 

E, com a revolução liberal, já após o facto de, por exemplo, o Marquês de Pombal estar relacionado com a expulsão dos Jesuítas em 1759, a extinção das ordens religiosas em 1834 foi outro dos episódios mais marcantes e até determinantes no destino do próprio panorama cultura e patrimonial ao longo dos séculos XIX e XX em Portugal.

Convém não esquecer que, “A sociedade do Antigo Regime que, politicamente, correspondeu à monarquia absoluta, surgiu no séc. XV, com as viagens de expansão e fixação além-mar, desaparecendo em finais do séc. XVIII, com as revoluções liberais (…) estruturava-se em torno de três Ordens ou Estados: Clero, Nobreza e 3.º Estado. Cada Ordem ocupava uma rígida posição hierárquica, sendo o Clero e a Nobreza os grupos privilegiados, isentos de impostos. O absolutismo português teve em D. João V o seu expoente máximo.”. (fonte: https://ensina.rtp.pt/)

Deste modo, as jovens religiosas ficaram privadas de rendimentos, deparando-se com a pobreza. 

Em contrapartida, foi a produção de doces que vendiam para a corte e palácios da nobreza que as motivou a aperfeiçoarem a confeção dos mesmos que, pela reconhecida qualidade, eram os preferidos, alcançando a fama até aos dias de hoje.

Por curiosidade, acrescente-se que as freiras também chegaram a vender tabaco, bem como, nos momentos de maior aflição, alguns objetos de arte que ficaram na casa.

E já agora, volto a partilhar consigo, meu caro leitor, as seguintes receitas de doces outrora divulgadas através do Blog Cozinha Com Rosto, ficando à espera, nos comentários, a indicação de qual é que apreciou mais e... bom proveito!

Nota: para as receitas indicadas abaixo como sendo "artigo protegido", será necessário ser-se Subscritor da Revista P´rá Mesa, de forma a ter acesso ao texto de forma integral, pois assim que se inscrever aqui, para o caso de ainda não o o ter feito, receberá um email com a indicação da respetiva password.




(texto escrito por Mónica Rebelofundadora da Revista P´rá Mesa)




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